"ERA UMA VEZ... UM SONHO...

"ERA UMA VEZ... UM SONHO...

... o sonho de manter acessa a chama vibrante, intensa e colorida da infância. Um tempo marcado pelo encantamento da atmosférica onírica que rege a primeira e mais importante fase de nossas vidas. Uma época singular, rica, pessoal e intransferível..." Pedagogia do Amor (Gabriel Chalita)

Ser professor é...

Ser professor é... Ser professor é professar a fé e a certeza de que tudo terá valido a pena se o aluno sentir-se feliz pelo que aprendeu com você e pelo que ele lhe ensinou... Ser professor é consumir horas e horas pensando em cada detalhe daquela aula que, mesmo ocorrendo todos os dias, a cada dia é única e original... Ser professor é entrar cansado numa sala de aula e, diante da reação da turma, transformar o cansaço numa aventura maravilhosa de ensinar e aprender... Ser professor é importar-se com o outro numa dimensão de quem cultiva uma planta muito rara que necessita de atenção, amor e cuidado. Ser professor é ter a capacidade de "sair de cena, sem sair do espetáculo". Ser professor é apontar caminhos, mas deixar que o aluno caminhe com seus próprios pés...

quinta-feira, 10 de março de 2011

O aluno, o professor e a pedagogia do prazer
Como aplicar esta matéria em sala de aula
Colegas professores,

Este artigo aborda uma questão atual da educação: a “pedagogia do prazer”. O artigo não pretende discutir em profundidade os méritos dessa pedagogia e nem mesmo abordá-la em suas particularidades. Quem quiser se aprofundar no assunto pode procurar referências dela nos autores que a idealizaram, como Piaget, Freire e Rogers, por exemplo. O propósito do artigo é propor uma reflexão sobre a máxima de que “só se aprende aquilo que nos desperta prazer” e no impacto que isso tem causado nas escolas.
Se por um lado aprender pode ser divertido e prazeroso, por outro, não há nenhum método que funcione “sempre” e nem “para todos” pelo qual se possa ensinar de maneira que o aluno sempre tenha prazer em aprender. O que fazer então?
Se só aprende quando se tem prazer em aprender e, se sempre for possível achar um meio de ensinar de forma prazerosa, então quem ensinará aos professores as formas prazerosas de ensinar? Ou deveria o professor ser naturalmente capaz de despertar o prazer de aprender em todos os seus alunos?
Como é possível ensinar de forma prazerosa algo que o aluno antecipadamente “não gosta”, mesmo que ele desconheça do que se trata?
A “pedagogia do prazer” é um termo bastante em uso em nossos dias. Por trás dela há uma idéia já tantas vezes repetida que passou a soar como uma máxima, uma “lei pedagógica”: só se aprende aquilo que se tem prazer em aprender.
A idéia é realmente ótima, pois aprender de forma prazerosa é certamente muito mais fácil e agradável do que aprender de outra forma qualquer, mas será mesmo que isso é sempre possível?
Esse artigo da seção “Erro Padrão” pretende propor uma reflexão entre professores, alunos e comunidade sobre esse tema atual e intrigante, pois, se por um lado parece difícil discordar da máxima da pedagogia do prazer, por outro parece que essa máxima existe muito mais na teoria de educadores “teóricos” do que nas práticas de sala de aula, onde o conflito entre o “prazer de aprender” e o “prazer de ensinar” ditam regras mais pragmáticas.
Meu garotinho tem três anos. Dia desses, almoçando na casa de amigos, fomos servidos com deliciosas ameixas como sobremesa. Ofereci uma ao meu garoto, mas ele recusou prontamente dizendo que “não gostava”. Perguntei-lhe então se ele sabia qual era o gosto daquela ameixa e ele correu para mordê-la e experimentar. Depois da mordida na minha ameixa ele quis a dele e a comeu com muito prazer.
Meu garoto não é assim tão original que não sirva de exemplo para um comportamento que, na verdade, todos temos: desgostar de muitas coisas que desconhecemos. Muitas pessoas odeiam ostras embora nunca tenham comido uma delas. Eu sou uma dessas pessoas, por exemplo.
Também não é raro que passemos a gostar de algo de que antes “desgostávamos” depois de termos experimentado esse algo pela primeira vez. Comigo foi assim que aconteceu com a berinjela. Eu odiava berinjela antes de comê-la pela primeira vez. Agora que já a experimentei não a odeio mais, embora não seja minha comida predileta.
Por fim, também há coisas como o quiabo, que eu odiava antes de conhecer e passei a odiar ainda mais depois de conhecê-lo.
De certa forma a escola é como uma grande mesa de banquete, onde diferentes alimentos preparados de diversas formas e por distintos cozinheiros estão à disposição dos nossos alunos. Na escola se pode tanto odiar algumas disciplinas quanto amar a outras tantas. Alguns dizem que o segredo da boa comida está nas mãos do cozinheiro, assim como o segredo da paixão de alguns alunos por certas disciplinas está na pedagogia de certos professores. Talvez isso não seja de todo verdadeiro, pois nunca achei um cozinheiro que me fizesse gostar de quiabo e talvez não haja um professor capaz de fazer qualquer aluno gostar de sua disciplina, mas o fato é que o tempero próprio de cada professor dá realmente um sabor diferente à sua disciplina.
Atualmente se discute muito a “pedagogia do prazer” e é comum se ouvir dizer que “o aluno só consegue aprender aquilo que lhe dá prazer” ou, equivalentemente, “aquilo que pode ser aprendido por ele de forma prazerosa”. Essa é uma tese aparentemente difícil de ser rebatida, pois todos concordamos que é muito melhor aprendermos algo que nos dê prazer do que outra coisa que nos pareça desagradável.
Diante dessa afirmativa, aceita muitas vezes tacitamente como uma verdade inquestionável, o professor se vê à frente de um labirinto de “caminhos possíveis do prazer” e nenhuma placa indicando qual é o melhor caminho a ser seguido. Na verdade nem sabemos se sempre existirá um tal caminho.
Será que isso quer dizer que devemos ensinar aos nossos alunos apenas aquilo de que eles “gostam” ou que eles “querem” que lhes ensinemos? Mas, assim como meu garoto, que nunca tinha comigo ameixa antes, nossos alunos estarão aptos a saber do que não gostam mesmo antes de experimentar? E quem iria querer aprender Física, por exemplo?
Pesquisas feitas com alunos ingressantes no ensino médio apontam a disciplina de Física como a que tem maior rejeição entre os alunos. A maioria dos alunos “odeia Física” mesmo antes de terem sido oficialmente apresentados a ela.
Muitos professores interpretam esse ódio antecipado à Física como imaturidade dos alunos, pois não parece concebível que alguém odeie algo antes de conhecê-lo (e principalmente porque os professores de Física aprenderam a amá-la e não a odiá-la). Mas eu, que amo a Física e odeio as ostras sem nunca tê-las comido, não me sinto imaturo em meu ódio. Ostras me repugnam assim como deve repugnar aos alunos do ensino fundamental uma disciplina da qual só ouvem barbaridades dos colegas que a cursam no ensino médio. Física reprova muita gente, envolve cálculos matemáticos, é cheia de fórmulas e “decorebas”, os professores são arrogantes e metidos a cientistas e, além de tudo isso, ainda temos um motivo a mais que passou a ser apontado pelos alunos principalmente na última década: Física é inútil, não serve para nada.
É claro que a Física, usada aqui como exemplo, é apenas uma ilustração que retrata bem o problema, mas na verdade em diferentes graus de “ódio” todas as disciplinas enfrentam críticas parecidas.
O que eu odeio na ostra não é o seu sabor, que desconheço, assim como desconhecem os conceitos e utilidades da Física aqueles que a odeiam sem nunca terem-na experimentado, o que eu odeio da ostra é aquilo que penso dela a partir das informações que antecipadamente tenho (ou penso ter) sobre ela, sejam essas informações “corretas” ou “incorretas”. Ostras me parecem gosmentas e são comidas “cruas”, talvez “vivas”. Eu não gosto de comer animais gosmentos, crus e vivos. Talvez eu esteja errado, não sei, não entendo de ostras e nunca quis entender, mas eu realmente odeio ostras, assim como muitos alunos odeiam a Física. Esse “ódio” pode até mesmo ser irracional, como parece sê-lo, mas isso não o impede de existir.
Talvez eu venha a gostar de ostras se algum bom cozinheiro me falar mais sobre elas, ou se me apresentar um prato de ostras que me pareça menos nojento, quem sabe... Alguns alunos também passam a apreciar a Física e as ciências em geral quando têm professores capazes de “preparar boas receitas pedagógicas”. E isso nos leva a outra questão sobre a “pedagogia do prazer”: É realmente possível criar receitas pedagógicas prazerosas para se ensinar qualquer assunto?
Muitos pedagogos que não costumam pisar em salas de aula costumam dizer que sim, que é perfeitamente possível contextualizar as situações de ensino-aprendizagem de uma forma interessante, dizem que se pode ensinar de forma lúdica, explorar novos recursos como as diversas mídias etc., mas quem realmente sabe fazer isso? Quem tem boas receitas sobre o preparo de ostras?
E o que dizer do quiabo? Eu realmente odeio quiabo e já me disseram que existem muitas receitas deliciosas para se preparar um bom prato de quiabo. Odiei todas as receitas que já experimentei. Talvez exista mesmo uma receita de que eu goste, mas será que eu estou disposto a experimentar muitas receitas novas, talvez dezenas delas para, só depois, quem sabe, descobrir que eu gosto de quiabo? E quanto aos alunos, quantas vezes deveremos lhes ensinar Física, e de quantas maneiras diferentes, para que um dia descubram, talvez, que gostam dela? E se, assim como eu e o quiabo, eles e a Física sempre se odiarem, teremos nós fracassado então como professores?
Eu penso que talvez o mundo deva se conformar com o meu ódio pelas ostras e pelos quiabos, assim como muitos professores talvez devam se conformar um pouco também com o ódio de alguns alunos pela Física ou por outra disciplina qualquer. Isso, a princípio, parece frustrante, mas será mais frustrante do que a sensação de que todo o fracasso que ocorre no processo de ensino-prazeroso é culpa do professor, do material didático ou mesmo da escola? Será mesmo que todos devemos aprender a gostar de Física, ostras e quiabos? E onde fica a nossa individualidade?
Eu posso viver muito bem sem comer ostras e quiabos, ou pelo menos penso que posso. Muitos alunos também pensam poder viver bem sem aprenderem sobre ciência. Eu posso estar errado sobre minha autonomia gastronômica e os alunos também podem estar errados sobre a independência educacional deles, mas como poderão nos convencer do contrário?
Eu tenho a minha disposição muitas comidas que me agradam e que, na minha opinião, me permitem abrir mão das ostras e quiabos. Os alunos também parecem ter muitas outras opções de coisas “mais prazerosas” para fazerem na escola e fora dela do que aprender sobre ciência, por exemplo. Enquanto eu puder escolher o que comer, eu não pretendo comer ostras e quiabos e duvido muito que os alunos que odeiam Física também deixem de exercer esse “direito de escolha prazerosa” sobre o que querem ou não gostar de aprender.
Mas então, porque eu me recuso a comer ostras e quiabos e, no entanto, me recuso também a permitir que os meus alunos abstenham-se de aprender sobre ciência, ainda que não gostem dela? Não estaria eu sendo um professor incoerente?
Na verdade há muitas explicações possíveis para esse aparente paradoxo, mas duas delas talvez sejam as mais importantes: meu prazer em ensinar e a certeza de que não há nenhum prato mais nutritivo que a ciência! Acho que o mesmo se aplica a qualquer outro professor e sua disciplina.
Se eu, como professor e educador, não tivesse um enorme prazer em ensinar, assim como o cozinheiro tem prazer em criar receitas saborosas, provavelmente já teria mudado de profissão e estaria fazendo algo que me desse maior prazer. Portanto, embora alguns alunos odeiem realmente a Física e eu compreenda que eles realmente a odeiam, meu prazer está em tentar fazer com que eles desenvolvam um gosto mais prazeroso por ela, mesmo que essa não seja a vontade deles, assim como fizeram comigo no “quesito berinjela”. Aqui parece haver um “saudável conflito entre o meu prazer em ensinar e a falta de prazer de alguns alunos em aprender”, mas conflitos fazem parte da atividade pedagógica, não fazem?
No quesito “nutrição do saber” eu tenho a clara concepção de que as vitaminas, proteínas e sais minerais contidas na ciência não podem faltar na dieta de sabedoria dos meus alunos, assim como também não podem faltar as guloseimas de que eles gostam muito mais, como namorar, jogar videogame, passear, ir para as baladas etc. Eu creio que posso substituir os nutrientes das ostras e quiabos comendo outras coisas, mas desconheço outros conhecimentos que contenham os mesmos nutrientes educacionais que a ciência, e isso é um fato para mim, embora possa não ser para os meus alunos. Novamente temos um conflito entre a crença da inutilidade da ciência por parte de alguns alunos e a minha crença sobre sua utilidade e, novamente, esse conflito me parece saudável.
Assim, embora eu reconheça que alguns alunos podem nunca vir a gostar de aprender sobre ciência e nem eu vir a gostar de quiabo, eu também reconheço que devo ensiná-los, tanto por “dever do meu ofício”, quanto pelo meu prazer pessoal em enfrentar esses desafios. Como qualquer bom cozinheiro o professor tenta apresentar sempre o prato mais saboroso, mas sempre haverá quem não goste e reclame do tempero. Assim somos nós, os humanos: seres complexos, cheios de vontades e particularidades que nos tornam maravilhosamente “únicos”.
E antes que eu me esqueça, a figura mostrada no início desse artigo ilustra o “causo” em que Arquimedes, um grego que viveu entre 287 e 212 antes de Cristo, saiu correndo pelado pelas ruas de sua cidade, Siracusa, após descobrir durante um banho de banheira a solução para um problema que lhe atormentava a mente e que acabou se tornando uma lei física, a lei do empuxo (ou princípio de Arquimedes). Se o “causo” for verdadeiro certamente Arquimedes será o primeiro grande exemplo de alguém que teve um aprendizado lúdico acompanhado de muito prazer, embora ainda não houvesse nenhuma pedagogia tratando disso.
Talvez ainda existam alguns alunos-Arquimedes que se maravilhem diante de uma nova descoberta, que passem a gostar da minha receita de berinjela ou, quem sabe, que possam me ensinar uma boa receita de quiabo... E se eu não puder acreditar nisso e nem ter prazer em tentar ensinar a minha disciplina, como poderei crer em qualquer pedagogia do prazer?

Por José Carlos Antonio      Atualizado em 3/22/2005

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