"ERA UMA VEZ... UM SONHO...

"ERA UMA VEZ... UM SONHO...

... o sonho de manter acessa a chama vibrante, intensa e colorida da infância. Um tempo marcado pelo encantamento da atmosférica onírica que rege a primeira e mais importante fase de nossas vidas. Uma época singular, rica, pessoal e intransferível..." Pedagogia do Amor (Gabriel Chalita)

Ser professor é...

Ser professor é... Ser professor é professar a fé e a certeza de que tudo terá valido a pena se o aluno sentir-se feliz pelo que aprendeu com você e pelo que ele lhe ensinou... Ser professor é consumir horas e horas pensando em cada detalhe daquela aula que, mesmo ocorrendo todos os dias, a cada dia é única e original... Ser professor é entrar cansado numa sala de aula e, diante da reação da turma, transformar o cansaço numa aventura maravilhosa de ensinar e aprender... Ser professor é importar-se com o outro numa dimensão de quem cultiva uma planta muito rara que necessita de atenção, amor e cuidado. Ser professor é ter a capacidade de "sair de cena, sem sair do espetáculo". Ser professor é apontar caminhos, mas deixar que o aluno caminhe com seus próprios pés...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Modelos de máscaras




 



























A importância dos limites na vida da criança

 

Qual é o melhor atrativo para desviar a atenção de uma família, senão uma criança? Ela chega para transformar vidas, alterar a rotina de um lar, determinar o ritmo da casa: os horários, os programas de televisão, o cardápio e até as atividades de lazer. Dotada de uma capacidade infalível de persuadir, detém técnicas implacáveis para domar gente grande. A sua eficácia é tamanha que, com um simples gesto, lança por terra defesas, rui as estruturas, pois sabe o momento exato para derramar uma lágrima ou abrir um irradiante sorriso para consumar suas conquistas.
Com essas táticas infalíveis, monopoliza um lar. Se não for refreada, perde a noção de limites. Porém, muitos pais esbarram no sentimento no momento de agir e pecam por acreditar que amor é fazer todas as vontades e liberdade é sinônimo de criança feliz.
Para educar num mundo repleto de influências, é necessário delimitar espaço, definir papéis e não abrir mão de itens fundamentais — educação social, educação religiosa e escolarização —, tão indispensáveis que, há milênios, o maior de todos os livros já alertava: “Ensinai à criança o caminho em que ela deve andar, e, mesmo depois de velha, ela não desviará dele” (Prov. 22:6).
Mas até onde os pais podem atender às exigências, às imposições e aos desejos da criança? Como impor limites num ser imaturo, impregnado de vontades, sem causar danos psicológicos ou emocionais?
Formar a personalidade é um desafio. Uma dúvida inquieta especialistas e ecoa a todo instante na cabeça dos pais: Como impor limites aos filhos?
Como não existe fórmula pronta, famílias estão em constante busca de alternativas, mas poucas conseguem educar os filhos com limites, pois muitos pais acham graça das birras, dos atos de desobediência. Fecham os olhos para a razão e, quando caem em si, deparam-se com criaturinhas indomáveis, que desconhecem o que é limite e respeito.
A criança capta, através da sensibilidade aflorada, as fraquezas dos pais e monta o seu arsenal para vencer aqueles que a cercam. Ela já nasce com a marca da grega Hera — a deusa dos deuses, que rege o casamento — e declara desde a sua chegada: “Decifra-me ou te devoro”. Antes mesmo de dar os primeiros passos, de proferir uma palavra, aprende a arte de envolver a família à sua volta e, à medida que ganha autonomia, maturidade, sente-se “dona do pedaço”. Todos entram na sua mira: pais, tios, avós, coleguinhas... E, se não forem contidas, em pouco tempo, birras e pirraças se convertem em agressões físicas e verbais.
Segundo o jornalista e historiador André Fontaine, “todo adulto é, basicamente, o resultado direto dos limites que recebeu quando criança, de como eles foram colocados, recebidos, entendidos e aceitos”. A falta de limites na infância é uma das principais razões da existência de jovens rebeldes e adultos e profissionais fracassados. O excesso de liberdade rompe a ligação de relacionamento entre pais e filhos, que vivem em constante pé de guerra, na disputa sobre quem manda e quem obedece.
A indisciplina infantil é gritante: mordem; chutam; empurram; cospem; proferem palavrões e insultos; arremessam objetos por um simples “não” recebido; e, por acreditarem que podem tudo, armam o palco e dão o seu espetáculo em porta de lojas de brinquedos, shopping centers, sorveterias e parques de diversões.
Determinar limites na fase da formação da personalidade é fundamental para ostentar um relacionamento estável e proporcionar a formação do indivíduo que passa a refletir sobre seus valores, seus direitos e suas obrigações no seio da família e, posteriormente, na sociedade.
Pais que amam não são aqueles que cedem sempre, que têm um “sim” na ponta da língua e as mãos sempre abertas, prontas para doar. A verdadeira arte de ser pai é saber dizer “não”, mesmo em situações em que o “sim” poderia sobressair. Somente assim a criança não crescerá acreditando que tem direito a tudo e que pode tudo.
Na busca de saídas, pais recorrem à escola, e esta, por sua vez, repassa a responsabilidade. Afinal, de quem é o compromisso de impor limites à criança?
Resgatar princípios é um desafio para famílias e escolas. Infelizmente, na maioria dos casos, não há diálogo nem disciplina, porque a criança depende do adulto, principalmente na formação do vocabulário para expressar sentimentos, medos e frustrações.
Pais e educadores devem rever os conceitos de punição, recordar que já foram crianças e evitar repetir erros que provoquem traumas ou comportamentos errôneos.
Abra mão da ideia de que “o meu pai foi assim comigo, e eu também serei com o meu filho”. O mundo evoluiu numa rapidez alarmante desde o seu nascimento, as influências atuais exigem um novo formato de educação. Os métodos que funcionaram com você podem não funcionar com o seu filho. Siga apenas os bons exemplos, pois a única fórmula copiada que ainda funciona são os princípios morais e religiosos, que, mesmo assim, vêm sofrendo mutações.
É importante que família e escola permitam que a criança seja realmente criança. Respeitar a fase de brincar, sonhar, se divertir... É nessa trajetória que ela se descobre no mundo, adquire segurança, autoconfiança e, na sequência de descobertas, se projeta como construtora do próprio conhecimento. O que não pode ser permitido é que esses pequeninos não tenham limites e dominem, como se a casa, a escola e as pessoas fossem meros objetos de suas vontades.
O exemplo tem que partir dos pais, através de atos e atitudes. No momento de agir, eles devem abrir mão da emoção, dos sentimentos, e seguir apenas a razão. É melhor serem duros, radicais, do que passarem o resto da vida lamentado as decisões não tomadas e perderem o seu filho para o mundo que está aí, de braços abertos para acolhê-lo.
Para atingir esse alvo, pais têm que assumir uma postura para equilibrar o relacionamento. A criança precisa entender porque isso ou aquilo pode ou não ser feito. Esse entendimento gera a consciência. A criança aprende com os atos dos adultos, e, se pai e mãe brigam, se agridem, não se respeitam, consequentemente o filho vai seguir o mesmo caminho.
Apesar de tantos exemplos, muitos pais ainda confundem educação com formação. Podemos matricular nosso filho numa escola que lhe propicie uma educação de qualidade, mas é preciso o complemento que é a formação moral, religiosa e, principalmente, ética para respeitar limites e resistir às tentações do mundo.
Mas até onde os filhos são dos pais ou do mundo?
O erro maior é criar os filhos para si, e não para o mundo. Poucos estão preparados para uma separação. O rompimento do cordão umbilical é um curso natural. Eles crescem, exigem o seu espaço, querem a sua tribo e vão lutar por sua independência. Cabe aos pais prepará-los para encararem os desafios de um mundo que exige a formação da personalidade, do caráter, e o conhecimento das regras de convivência. Pois ética, caráter, respeito e limites são valores gerados exclusivamente no seio da família. A escola vai apenas moldá-los e amadurecê-los.
Aplicar pena nem sempre é uma boa ação. O castigo, se não for corretivo, pode ter efeito contrário, pois a mente da criança é um terreno fértil, em que tudo o que se plantar germina. E, se quisermos jovens e adultos disciplinados, temos que preparar esse terreno com cuidado, um código de conduta deve ser estabelecido para que a criança se convença de que determinadas regras são valores que enriquecerão o relacionamento familiar e, consequentemente, serão praticados no convívio social.
O primeiro passo é saber dizer “não”, para que a criança não cresça acreditando que pode tudo. A consciência de que sempre existirá algo para conquistar, um motivo para atingir objetivos e propósitos através de seus valores — valores que a maioria não adquire na infância e que somente na fase adulta são notados. Muitos se perdem; pois, nessa trajetória, as regras são impostas pelo próprio meio, e uma das normas invioláveis é respeitar limites, principalmente os do semelhante.
A psicóloga Tânia Zagury acredita que “Limite é dizer ‘sim’ sempre que possível e dizer ‘não’ quando necessário” e mais: “Limite é saber conviver com a frustração e adiar satisfações”.
No conflito entre disciplina e limite, na dúvida entre o “sim” e o “não”, pais se desesperam por terem permitido que os seus filhos fizessem o que queriam, simplesmente por serem crianças.
Muitos, para se esvaírem, culpam a sociedade moderna, que permitiu a extinção de valores, destruiu princípios, alterou ensinamentos... Outros atacam os meios de comunicação que instigam, através dos seus programas, a violência e a desobediência. E ainda há aqueles que condenam o sistema de ensino que não educa. Mas muitas crianças chegam à escola tão dependentes que algumas não conseguem comer sozinhas. Professor tem que ser tudo, principalmente babá.
A maioria dos pais não percebe que, ao se distanciarem dos filhos na busca de status e realizações pessoais, deixando-os à mercê de empregados, babás, não estão fazendo tudo. Para muitos, casa confortável, mesa farta e uma boa escola são suficientes para um futuro promissor. Não despertam a consciência de que a participação é fundamental, só a presença não basta. Educar exige envolvimento emocional, comprometimento para acompanhar as mudanças físicas e biológicas que influenciam no comportamento.
No confronto entre a maturidade e a inexperiência, discussões e momentos de carinho e afeto muitas vezes se chocam com sentimentos e incompreensões. Nessa transição, a maturidade deve imperar, e o que não pode ocorrer é o desrespeito. É preciso equilíbrio para que mágoas e desapontamentos não afetem sentimentos nem abalem a confiança.
Pais devem ser a âncora, a rota, a voz e o silêncio. A âncora que ampara, proporciona segurança, estaciona num porto seguro; a rota que conduz ao crescimento humano e pessoal através da experiência; a voz para falar — não para conter, mas para indicar o caminho —; e o silêncio para ouvir os medos, captar as fraquezas, entender as inseguranças e as necessidades de uma criança que necessita de gestos de carinho, palavras de incentivo, atitudes corretivas e calor humano para formar o elo do afeto. Afinal, crescer é tão difícil quanto nascer. Há que se estar pronto para enfrentar os desafios de um novo mundo.

Texto de Nildo Lage
Revista Construir Notícias: Ano 8 - nº 48

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Escola
Moacir Gadotti

Paulo Freire era um educador que sempre falava bem da escola, mesmo quando criticava a escola conservadora e burocrática. Ele a concebia como um espaço de relações sociais e humanas. Uma das contribuições originais de Paulo Freire refere-se à importância da informalidade na aprendizagem: Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação (Freire, p. 50).
Paulo Freire insistia que não é só na escola que a gente aprende. Como instituição social, ela tem contribuído tanto para a manutenção quanto para a transformação social. A escola, para ele, não é só um lugar para estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir, fazer política. A escola não pode mudar tudo nem pode mudar a si mesma sozinha. Ela está intimamente ligada à sociedade que a mantém e é, ao mesmo tempo, fator e produto desta. Como instituição social, ela depende da sociedade e, para mudar, depende também da relação que mantém com outras escolas, com as famílias, com a população.
Paulo Freire nos fala, em sua Pedagogia da Autonomia, da “boniteza de ser gente” (1997, p. 67), da boniteza de ser professor:“Ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. Ele chama a atenção para a essencialidade do componente estético na formação do educador. Uma estética que não é separada da ética. Ele fala da importância da “boniteza” das escolas, da importância formadora dos espaços: “É incrível que não imaginemos a significação do discurso ‘pronunciado’ na e pela limpeza do chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas flores que adornam. Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço” (Freire, p.50).
Paulo Freire foi um defensor da escola pública, que é a escola da maioria, das periferias, dos cidadãos que só podem contar com ela. Ele entendia a escola pública como “escola
pública popular” (grande mote de sua gestão na Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo), como “escola cidadã”. Paulo Freire defendia a escola pública como espaço de
resgate científico da cultura popular, como espaço de organização política das classes populares e instrumento de luta contra-hegemônica.
No dia 19 de março de 1997, nos Arquivos Paulo Freire, em São Paulo, numa entrevista à TV Educativa do Rio de Janeiro, ele falou de sua concepção de Escola Cidadã:
"Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si e para si. Ela é cidadã na mesma medida em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É toda escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-educadores também sejam eles mesmos. E, como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia."
Desde seus primeiros escritos, Paulo Freire considerou a escola muito mais do que as quatro paredes da sala de aula.
Criou o Círculo de Cultura, como expressão dessa nova pedagogia que não se reduzia à noção simplista de aula. Na sociedade do conhecimento de hoje, isso é muito atual, já que agora o “espaço escolar” é muito maior do que a escola. Os novos espaços da formação (mídia, rádio, TV, vídeo, igrejas, sindicatos, empresas, ONGs, família, internet...) alargaram a noção de escola e de sala de aula. A educação tornou-se comunitária, virtual, multicultural e ecológica, e a escola estendeu-se para a cidade e para o planeta.
Em 1974, em Genebra, Paulo Freire teve um célebre encontro com o filósofo austríaco Ivan Illich, que estava publicando, naquele ano, seu livro Sociedade sem Escolas (Editora Vozes). No debate que tiveram, ambos criticaram a escola tradicional. Entre a burocratização da instituição escolar, os dois demandaram que os educadores buscassem seu desenvolvimento próprio e a libertação coletiva para combater a alienação das escolas, propondo o redescobrimento da autonomia criadora. Apesar desses pontos em comum, existem consideráveis divergências entre eles. No trabalho de Ivan Illich, podemos encontrar um pessimismo em relação à escola. Ele não acredita que ela tenha futuro. Por isso seria necessário “desescolarizar” a sociedade. Em Paulo Freire, encontramos otimismo. A escola pode mudar e deve ser mudada, pois exerce um papel importante na transformação social.
O que une Illich e Freire é a crença profunda em revolucionar os conteúdos e a pedagogia da escola atual. Os dois acreditam que essa mudança é, ao mesmo tempo, política e pedagógica e que a crítica da escola é parte de uma crítica mais ampla à civilização contemporânea. Para Paulo Freire, a escola é um lugar especial, um lugar de luta e de esperança. Por isso, ela precisa ser para todos e de qualidade.
Texto de Moacir GadottiFonte: Revista Construir Notícias: Ano 9 - nº 54
Ser professor, ser educador
“Educadores, onde estarão?”, pergunta Rubem Alves.
 
E ele mesmo responde: “Em que covas terão se escondido? Professores, há aos milhares, mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão, é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança”. E continua:
"Com o advento da indústria, como poderia o artesão sobreviver? Foi transformado em operário de segunda classe até morrer de desgosto e saudade. O mesmo com os tropeiros, que dependiam das trilhas estreitas e das solidões, que morreram quando o asfalto e o automóvel chegaram. Destino igualmente triste teve o boticário, sem recursos para sobreviver num mundo de remédios prontos. Foi devorado no banquete antropofágico das multinacionais."
Rubem Alves é um emérito escritor, psicanalista, educador respeitado, mas é, sobretudo, um semeador de sonhos e de ideias que dão a pensar. Foi assim que introduziu uma intrigante distinção entre ser professor e ser educador:
"Com o advento do utilitarismo, a pessoa passou a ser definida pela sua produção; a identidade é engolida pela função. E isso se tornou tão arraigado que, quando alguém nos pergunta o que somos, respondemos inevitavelmente dizendo o que fazemos. Com essa revolução, instaurou-se a possibilidade de se gerenciar a personalidade, pois aquilo que se faz e se produz — a função — é passível de medição, controle, racionalização. A pessoa praticamente desaparece, reduzindo-se a um ponto imaginário em que várias funções são amarradas.
É isso que eu quero dizer ao afirmar que o nicho ecológico mudou. O educador, pelo menos o ideal que minha imaginação constrói, habita um mundo em que a interioridade faz uma diferença, em que as pessoas se definem por suas visões, suas paixões, suas esperanças e seus horizontes utópicos. O professor, ao contrário, é funcionário de um mundo dominado pelo Estado e pelas empresas. É uma entidade gerenciada, administrada segundo a sua excelência funcional, excelência esta que é sempre julgada a partir dos interesses do sistema. Frequentemente, o educador é um mau funcionário, porque o ritmo do mundo do educador não segue o ritmo do mundo das instituições. Não é de se estranhar que Rousseau tenha se tornado obsoleto. Porque a educação que ele contempla ocorre colada ao imprevisível de uma experiência de vida ainda não gerenciada."

E conclui mais à frente:

"Talvez um professor seja um funcionário das instituições...
O educador, ao contrário, é um fundador de mundos, mediador de esperanças, pastor de projetos. Não sei como preparar o educador. Talvez isso não seja nem necessário nem possível... É necessário acordá-lo.
E aí aprenderemos que educadores não se extinguiram como tropeiros e caixeiros."
As reações às provocações de Rubem Alves não se fizeram esperar.
Suas teses geraram uma saudável polêmica. O professor Jefferson Ildefonso da Silva sustenta que existe um “falso dilema” entre educador e professor. Esse dilema “se dilui e
perde sua relevância ao se encarar a formação do educador para além do âmbito pedagógico ou individualista, para situá-lo na perspectiva de uma proposta e de uma teoria pedagógica que incorpore o caráter político da prática pedagógica e sua dependência da práxis social global, em que se dá a luta hegemônica das classes”.
Todo professor é, por função, educador. Para ele, o educador é um intelectual dirigente, orgânico. Numa sociedade dividida, ele não é neutro.
Numa perspectiva emancipadora, o educador é um intelectual orgânico das classes populares, a favor dos interesses das pessoas que necessitam de educação. Com ele, também concorda meu ex-aluno e amigo, a quem ensinei e, sobretudo, com quem muito aprendi e continuo aprendendo, o professor Celso dos Santos Vasconcellos, para o qual seria um contrassenso pensar que a classe dominante se disponha a oferecer um ensino popular de qualidade que desvende as relações de dominação existentes na sociedade:
"A escola para o povo só tem sentido numa nova forma de organizar a sociedade. Não é possível fazer uma escola para todos dentro de uma sociedade para alguns!
Ou seja, a democratização da escola precisa ser acompanhada de um novo projeto social."
Formar para e pela cidadania não pode limitar-se a uma formação genérica para uma sociedade que não existe.
Uma educação cidadã precisa ser uma educação de classe.
Vasconcellos insiste na questão do sentido da função docente.
Ele sustenta que os educadores não estão sabendo articular o “novo sentido” da sua profissão, sobretudo em função de seu desgaste profissional. Ele sustenta que o que vai dar sentido à sua profissão é justamente.
"A esperança de poder construir uma realidade diferente e de que a escola pode contribuir para a concretização desta sociedade mais humana. O mesmo movimento que recupera o sentido do trabalho do professor é o que dá sentido ao estudo para o aluno. Estamos no mesmo barco; daí a importância de ver no aluno — e na comunidade — um aliado (e não um inimigo, como tem acontecido amiúde)."
Vasconcellos insiste na necessidade de o professor “ganhar” o aluno para a indispensável mudança que deve ocorrer: "não se trata mais de estudar simplesmente para poder garantir o seu lugarzinho no bonde da História; trata-se, isto sim, de estudar a fim de ganhar competência e ajudar a mudar o rumo desse bonde, ou seja, ajudar a construir uma sociedade onde haja lugar para todos!"
"E cita, a seguir, um artigo da Folha de S.Paulo, segundo o qual “o Brasil logo terá dois tipos de pessoas: os que não comem, porque não têm o que comer, e os que não dormem, de medo dos que não comem”.
Diante desse quadro, o professor competente profissionalmente, o professor “que sabe”, não pode ficar indiferente.
Porque ser comprometido, engajar-se, ser ético faz parte da sua competência como professor. Como profissional do sentido, sua profissão está ligada ao amor e à esperança. Ela não se extinguirá enquanto houver espaço para a construção da humanidade.
A esperança, para o professor e para a professora, não é algo vazio, de quem “espera” acontecer. Ao contrário, a esperança, para o professor, encontra sentido na sua própria
profissão, a de transformar e construir pessoas e alimentar a esperança delas para que consigam, por sua vez, construir uma realidade diferente, “mais humana, menos feia,
menos malvada”, como costumava dizer Paulo Freire. Uma educação sem esperança não é educação. A educação, nesse sentido, confunde-se com o processo de humanização. Respondendo à questão “Como o professor pode tornar-se um intelectual na sociedade contemporânea?”, o geógrafo brasileiro Milton Santos, falecido no ano de 2001, respondeu:
"Quando consideramos a história possível, e não apenas a história existente, passamos a acreditar que outro mundo é viável. E não há intelectual que trabalhe sem ideia de futuro. Para ser digno do homem, qual seja, do homem visto como projeto, o trabalho intelectual e educacional tem que ser fundado no futuro. É dessa forma que os professores podem tornar-se intelectuais: olhando o futuro."
Pensar a educação do futuro e o futuro da humanidade é pensar holisticamente, pensar a totalidade. E educar holisticamente é estimular o desenvolvimento integral do ser humano
em sua totalidade pessoal — intelectual, emocional, física —, relacionada com a totalidade do mundo da vida — os outros seres vivos, a comunidade, a sociedade — e a totalidade cósmica: a Terra, o Universo. Educar holisticamente é entender o ser humano como um ser que transcende, que ultrapassa todos os limites, “até o último horizonte”, como diz Leonardo Boff10. O professor precisa indagar-se constantemente sobre o sentido do que está fazendo. Se isso é fundamental para todo ser humano, como ser que busca sentido o tempo todo, para toda e qualquer profissão, para o professor é também um dever profissional. Faz parte de seus saberes profissionais continuar indagando, junto com seus colegas e alunos, sobre o sentido do que estão fazendo na escola. Ele está sempre em processo de construção de sentido, como diz Celso Vasconcellos11:
"O sentido não está pronto em algum lugar esperando ser descoberto. O sentido não advém de uma esfera transcendente nem da imanência do objeto ou ainda de um simples jogo lógico-formal. É uma construção do sujeito! Daí falarmos em produção. Quem vai produzir é o sujeito, só que não de forma isolada, mas num contexto histórico e coletivo [...]."
Ser professor, na acepção mais genuína, é ser capaz de fazer o outro aprender, desenvolver-se criticamente. Como a aprendizagem é um processo ativo, não vai se dar, portanto, se não houver articulação da proposta de trabalho com a existência do aluno; mas também do professor, pois se não estiver acreditando, se não estiver vendo sentido naquilo, como poderá provocar no aluno o desejo de conhecer? Celso Vasconcellos insiste, em seu livro, que o papel do professor é “educar através do ensino”12. Ele pode apenas ensinar tabuada, mas só educa através do ensino quando construir o sentido da tabuada junto com seu aprendiz, porque, como diz ele, ensinar vem do latim insignare, que significa “marcar com um sinal”, atuar na construção do significado do que fazemos. Tudo o que fazemos, precisamos fazer com sentido, tudo o que estudamos tem que ter sentido.
Os dois maiores educadores do século passado, John Dewey e Paulo Freire, cada um a seu modo, procuraram responder a essa questão e centraram suas análises na relação entre “educação e vida”, reagindo às pedagogias tecnicistas do seu tempo — tanto de esquerda quanto de direita —, que só se preocupavam com métodos e técnicas. “Gostaria de ser lembrado como alguém que amou a vida”, disse Paulo Freire duas semanas antes de falecer. A educação só tem sentido como vida. Ela é vida. A escola perdeu seu sentido de humanização quando ela virou mercadoria, quando deixou de ser o lugar onde a gente aprende a ser gente para tornar-se o lugar onde as crianças e os jovens vão para aprender a competir no mercado.
A educação, para ser transformadora, emancipadora, precisa estar centrada na vida, ao contrário da educação neoliberal, que está centrada na competitividade sem solidariedade.
Para ser emancipadora, a educação precisa considerar as pessoas, suas culturas, respeitar seus modos de vida, sua identidade. O ser humano é “incompleto e inacabado”, como diz Paulo Freire13, em formação permanente. Por isso, hoje, o professor precisa mostrar que o neoliberalismo, com sua política de mercantilização da educação, tornou a sua profissão descartável. É preciso mostrar também que uma educação de qualidade para todos é inviável e contrária ao projeto político neoliberal capitalista. É preciso fazer a análise crítica, social, econômica. Mas tudo isso não basta. É preciso que a rigorosa análise da situação não fique nela, mas aponte caminhos e nos indique como caminhar. Caso contrário, as análises sociológicas e políticas, por mais rigorosas e corretas que sejam, ajudam apenas a manter o imobilismo e a falta de perspectivas para o educador. Há que superar tanto o imobilismo quanto a prática do imediatismo tarefeiro e descomprometido com um projeto amplo de sociedade.
O poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir criticamente sobre a realidade para transformá-la quanto na possibilidade de formar um grupo de companheiros e companheiras para lutar por uma causa comum. Paulo Freire insistia que a escola transformadora era a escola de companheirismo, por isso sua pedagogia é uma pedagogia do diálogo, das trocas, do encontro, das redes solidárias.
Companheiro vem do latim e significa aquele que partilha o pão. Trata-se, portanto, de uma postura radical e, ao mesmo tempo, crítica e solidária.
Às vezes, somos apenas críticos e perdemos o afeto dos outros por falta de companheirismo. Não haverá superação das condições atuais do magistério sem um profundo sentimento de companheirismo. Lutando sozinhos, chegaremos apenas à frustração, ao desânimo, à lamúria. Daí o sentido profundamente ético dessa profissão. No fundo, para enfrentar a barbárie neoliberal na educação, vale ainda a tese de Marx de que “o próprio educador deve ser educado”, educado para a construção histórica de um sentido novo de seu papel.
Escrevi este pequeno texto inspirado na Pedagogia da autonomia de Paulo Freire. Nesse seu último livro, ele trabalhou principalmente a ética e a estética do ser professor: o que
ele deve saber para ser professor, como ele deve ser para ser professor.
Paulo Freire sonhava com uma sociedade, um mundo onde todos coubessem. A educação pode dar um passo na direção desse outro mundo possível se ensinar às pessoas com um
novo paradigma do conhecimento, com uma visão do mundo em que todas as formas de conhecimento tenham lugar, se dotar os seres humanos de generosidade epistemológica, um pluralismo de ideias e uma concepção que se constitui na grande riqueza de saberes e conhecimento da humanidade.
Creio que existe ainda, na comunidade humana, uma imensa reserva de altruísmo e de solidariedade, um dique que o educador precisa conhecer e potencializar para romper
as barreiras do represamento. Educar é empoderar. Não é tanto ensinar quanto reencantar. Ou melhor, ensinar, nesse contexto, é reencantar, despertar a capacidade de sonhar, despertar a crença de que é possível mudar o mundo. Essa profissão, por isso, é insubstituível. Não podemos imaginar um futuro sem ela. Não podemos imaginar um futuro sem professores.
Nisso, acredito nas palavras de Rubem Alves: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...” A esta altura, muitos leitores e leitoras estarão se perguntando se eu não estaria idealizando a figura do professor, ignorando totalmente a estrutura caótica imposta às redes e aos sistemas de ensino pelo Estado capitalista que acaba culpabilizando o próprio professor pelos fracassos da escola. O cenário não é otimista. Eu não poderia, de forma alguma, ignorá-lo. Ao contrário, precisamos reacender o sonho de ser professor com sentido, justamente para combater esse estado de coisas.
Precisamos reafirmar o sonho, justamente, como nos diz Paulo Freire, para fazer frente “à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e à sua recusa inflexível ao
sonho e à utopia”15. Sair do plano ideal para a prática não é abandonar o sonho para agir, mas agir em função dele, agir em função de um projeto de vida e de escola, de cidade, de mundo possível, de planeta... um projeto de esperança.
Formar para e pela cidadania não pode limitar-se a uma formação genérica para uma sociedade que não existe.
Uma educação cidadã precisa ser uma educação de classe.
Vasconcellos insiste na questão do sentido da função docente.
Ele sustenta que os educadores não estão sabendo articular o “novo sentido” da sua profissão, sobretudo em função de seu desgaste profissional. Ele sustenta que o que vai dar sentido à sua profissão é justamente.
"A esperança de poder construir uma realidade diferente e de que a escola pode contribuir para a concretização desta sociedade mais humana. O mesmo movimento que recupera o sentido do trabalho do professor é o que dá sentido ao estudo para o aluno. Estamos no mesmo barco; daí a importância de ver no aluno — e na comunidade — um aliado (e não um inimigo, como tem acontecido amiúde)."
Vasconcellos insiste na necessidade de o professor “ganhar” o aluno para a indispensável mudança que deve ocorrer: "não se trata mais de estudar simplesmente para poder garantir o seu lugarzinho no bonde da História; trata-se, isto sim, de estudar a fim de ganhar competência e ajudar a mudar o rumo desse bonde, ou seja, ajudar a construir uma sociedade onde haja lugar para todos!"
"E cita, a seguir, um artigo da Folha de S.Paulo, segundo o qual “o Brasil logo terá dois tipos de pessoas: os que não comem, porque não têm o que comer, e os que não dormem, de medo dos que não comem”.
Diante desse quadro, o professor competente profissionalmente, o professor “que sabe”, não pode ficar indiferente.
Porque ser comprometido, engajar-se, ser ético faz parte da sua competência como professor. Como profissional do sentido, sua profissão está ligada ao amor e à esperança. Ela não se extinguirá enquanto houver espaço para a construção da humanidade.
A esperança, para o professor e para a professora, não é algo vazio, de quem “espera” acontecer. Ao contrário, a esperança, para o professor, encontra sentido na sua própria
profissão, a de transformar e construir pessoas e alimentar a esperança delas para que consigam, por sua vez, construir uma realidade diferente, “mais humana, menos feia,
menos malvada”, como costumava dizer Paulo Freire. Uma educação sem esperança não é educação. A educação, nesse sentido, confunde-se com o processo de humanização. Respondendo à questão “Como o professor pode tornar-se um intelectual na sociedade contemporânea?”, o geógrafo brasileiro Milton Santos, falecido no ano de 2001, respondeu:
"Quando consideramos a história possível, e não apenas a história existente, passamos a acreditar que outro mundo é viável. E não há intelectual que trabalhe sem ideia de futuro. Para ser digno do homem, qual seja, do homem visto como projeto, o trabalho intelectual e educacional tem que ser fundado no futuro. É dessa forma que os professores podem tornar-se intelectuais: olhando o futuro."
Pensar a educação do futuro e o futuro da humanidade é pensar holisticamente, pensar a totalidade. E educar holisticamente é estimular o desenvolvimento integral do ser humano
em sua totalidade pessoal — intelectual, emocional, física —, relacionada com a totalidade do mundo da vida — os outros seres vivos, a comunidade, a sociedade — e a totalidade cósmica: a Terra, o Universo. Educar holisticamente é entender o ser humano como um ser que transcende, que ultrapassa todos os limites, “até o último horizonte”, como diz Leonardo Boff10. O professor precisa indagar-se constantemente sobre o sentido do que está fazendo. Se isso é fundamental para todo ser humano, como ser que busca sentido o tempo todo, para toda e qualquer profissão, para o professor é também um dever profissional. Faz parte de seus saberes profissionais continuar indagando, junto com seus colegas e alunos, sobre o sentido do que estão fazendo na escola. Ele está sempre em processo de construção de sentido, como diz Celso Vasconcellos11:
"O sentido não está pronto em algum lugar esperando ser descoberto. O sentido não advém de uma esfera transcendente nem da imanência do objeto ou ainda de um simples jogo lógico-formal. É uma construção do sujeito! Daí falarmos em produção. Quem vai produzir é o sujeito, só que não de forma isolada, mas num contexto histórico e coletivo [...]."
Ser professor, na acepção mais genuína, é ser capaz de fazer o outro aprender, desenvolver-se criticamente. Como a aprendizagem é um processo ativo, não vai se dar, portanto, se não houver articulação da proposta de trabalho com a existência do aluno; mas também do professor, pois se não estiver acreditando, se não estiver vendo sentido naquilo, como poderá provocar no aluno o desejo de conhecer? Celso Vasconcellos insiste, em seu livro, que o papel do professor é “educar através do ensino”12. Ele pode apenas ensinar tabuada, mas só educa através do ensino quando construir o sentido da tabuada junto com seu aprendiz, porque, como diz ele, ensinar vem do latim insignare, que significa “marcar com um sinal”, atuar na construção do significado do que fazemos. Tudo o que fazemos, precisamos fazer com sentido, tudo o que estudamos tem que ter sentido.
Os dois maiores educadores do século passado, John Dewey e Paulo Freire, cada um a seu modo, procuraram responder a essa questão e centraram suas análises na relação entre “educação e vida”, reagindo às pedagogias tecnicistas do seu tempo — tanto de esquerda quanto de direita —, que só se preocupavam com métodos e técnicas. “Gostaria de ser lembrado como alguém que amou a vida”, disse Paulo Freire duas semanas antes de falecer. A educação só tem sentido como vida. Ela é vida. A escola perdeu seu sentido de humanização quando ela virou mercadoria, quando deixou de ser o lugar onde a gente aprende a ser gente para tornar-se o lugar onde as crianças e os jovens vão para aprender a competir no mercado.
A educação, para ser transformadora, emancipadora, precisa estar centrada na vida, ao contrário da educação neoliberal, que está centrada na competitividade sem solidariedade.
Para ser emancipadora, a educação precisa considerar as pessoas, suas culturas, respeitar seus modos de vida, sua identidade. O ser humano é “incompleto e inacabado”, como diz Paulo Freire13, em formação permanente. Por isso, hoje, o professor precisa mostrar que o neoliberalismo, com sua política de mercantilização da educação, tornou a sua profissão descartável. É preciso mostrar também que uma educação de qualidade para todos é inviável e contrária ao projeto político neoliberal capitalista. É preciso fazer a análise crítica, social, econômica. Mas tudo isso não basta. É preciso que a rigorosa análise da situação não fique nela, mas aponte caminhos e nos indique como caminhar. Caso contrário, as análises sociológicas e políticas, por mais rigorosas e corretas que sejam, ajudam apenas a manter o imobilismo e a falta de perspectivas para o educador. Há que superar tanto o imobilismo quanto a prática do imediatismo tarefeiro e descomprometido com um projeto amplo de sociedade.
O poder do professor está tanto na sua capacidade de refletir criticamente sobre a realidade para transformá-la quanto na possibilidade de formar um grupo de companheiros e companheiras para lutar por uma causa comum. Paulo Freire insistia que a escola transformadora era a escola de companheirismo, por isso sua pedagogia é uma pedagogia do diálogo, das trocas, do encontro, das redes solidárias.
Companheiro vem do latim e significa aquele que partilha o pão. Trata-se, portanto, de uma postura radical e, ao mesmo tempo, crítica e solidária.
Às vezes, somos apenas críticos e perdemos o afeto dos outros por falta de companheirismo. Não haverá superação das condições atuais do magistério sem um profundo sentimento de companheirismo. Lutando sozinhos, chegaremos apenas à frustração, ao desânimo, à lamúria. Daí o sentido profundamente ético dessa profissão. No fundo, para enfrentar a barbárie neoliberal na educação, vale ainda a tese de Marx de que “o próprio educador deve ser educado”, educado para a construção histórica de um sentido novo de seu papel.
Escrevi este pequeno texto inspirado na Pedagogia da autonomia de Paulo Freire. Nesse seu último livro, ele trabalhou principalmente a ética e a estética do ser professor: o que
ele deve saber para ser professor, como ele deve ser para ser professor.
Paulo Freire sonhava com uma sociedade, um mundo onde todos coubessem. A educação pode dar um passo na direção desse outro mundo possível se ensinar às pessoas com um
novo paradigma do conhecimento, com uma visão do mundo em que todas as formas de conhecimento tenham lugar, se dotar os seres humanos de generosidade epistemológica, um pluralismo de ideias e uma concepção que se constitui na grande riqueza de saberes e conhecimento da humanidade.
Creio que existe ainda, na comunidade humana, uma imensa reserva de altruísmo e de solidariedade, um dique que o educador precisa conhecer e potencializar para romper
as barreiras do represamento. Educar é empoderar. Não é tanto ensinar quanto reencantar. Ou melhor, ensinar, nesse contexto, é reencantar, despertar a capacidade de sonhar, despertar a crença de que é possível mudar o mundo. Essa profissão, por isso, é insubstituível. Não podemos imaginar um futuro sem ela. Não podemos imaginar um futuro sem professores.
Nisso, acredito nas palavras de Rubem Alves: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma, continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...” A esta altura, muitos leitores e leitoras estarão se perguntando se eu não estaria idealizando a figura do professor, ignorando totalmente a estrutura caótica imposta às redes e aos sistemas de ensino pelo Estado capitalista que acaba culpabilizando o próprio professor pelos fracassos da escola. O cenário não é otimista. Eu não poderia, de forma alguma, ignorá-lo. Ao contrário, precisamos reacender o sonho de ser professor com sentido, justamente para combater esse estado de coisas.
Precisamos reafirmar o sonho, justamente, como nos diz Paulo Freire, para fazer frente “à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e à sua recusa inflexível ao
sonho e à utopia”15. Sair do plano ideal para a prática não é abandonar o sonho para agir, mas agir em função dele, agir em função de um projeto de vida e de escola, de cidade, de mundo possível, de planeta... um projeto de esperança.
Texto de Moacir Gadotti
Fonte: Revista Construir notícias: Ano 9 - 54

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Com os olhos da alma
Depoimentos de alunos portadores de deficiências visuais mostram como é possível aprender sem enxergar.  
Depois de perguntar ao menino por que ele apertava tanto os olhos, o doutor José Lourenço tirou os óculos e os dependurou no nariz de Miguilim. O morador do Mutum não podia acreditar. "Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... Coração de Miguilim batia descompasso."
Jovenzinhos de "vista curta", como registrou Guimarães Rosa em Campo Geral, existem aos milhares em todo o mundo. A cegueira infantil está presente em países em desenvolvimento na proporção de 1,5/1.000, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) - o que no Brasil corresponde a cerca de 255 mil crianças cegas.
No entanto, ainda de acordo com a OMS, de 70% a 80% das crianças que são diagnosticadas como cegas possuem alguma visão residual. São os casos chamados de baixa visão ou visão subnormal. Incluem-se nesse conceito quem é capaz de utilizar a visão para executar determinadas tarefas, mas que possui um comprometimento da visão, com baixas acuidade visual e percepção de luz.
O processo de amadurecimento do órgão se estende até por volta de 9 anos de idade. "Se a criança só recebeu a imagem de qualidade depois dessa fase, provavelmente não terá 100% da visão", explica Rogério Neurauter, chefe do serviço de oftalmologia do Instituto Benjamim Constant, a mais antiga instituição brasileira (completa 149 anos em 2003) especializada em deficiência visual, sediada no Rio de Janeiro.
A baixa visão e a cegueira, congênita ou adquirida, não são impeditivas para o desenvolvimento cognitivo de uma criança. "A plasticidade do cérebro permite, em certas ocasiões, que uma função que você não tem seja compensada com a hipertrofia de uma outra", explica Abram Topczewski, neurologista da infância e adolescência do Hospital Israelita Albert Einstein.
Para que ocorra a aprendizagem, os pais e professores precisam estimular o desenvolvimento de outros sentidos. É mítica a idéia de que esse desenvolvimento seja automático. Não é porque uma criança possui deficiência visual que terá um ouvido mais apurado ou o tato excelente. "Conheço crianças cegas que não foram educadas adequadamente e que têm as mãos duras: não querem mexer, não querem pegar. Aí, de fato, elas não aprendem", lamenta Mara Olímpia Siaulys, fundadora da ONG Laramara, de São Paulo - entidade especializada em deficiência visual que presta atendimento gratuito a famílias carentes cujas crianças tenham cegueira ou baixa visão.
Com os outros sentidos despertos, a criança está apta para aprender como qualquer "vidente", como os especialistas referem-se aos que enxergam. "É tudo uma questão de técnica de ensino", defende Virgínia Hogan, pianista brasileira radicada nos Estados Unidos há 11 anos. A concertista, renomada internacionalmente, ficou conhecida por ter desenvolvido, nove anos atrás, um método de aprendizagem de piano clássico para cegos.
"Percebi que existem muitos pianistas populares cegos, mas clássicos são poucos. Porque os populares arranjam tudo, não tocam exatamente o que está na partitura. Mas o clássico tem de memorizar e decorar tudo o que está na partitura", explica.
Para criar seu método, Virgínia gravou 600 trabalhos clássicos para piano (o programa básico para pianista erudito) e contratou um webmaster para ajudá-la no uso do computador. A técnica consistia em fazer a leitura de cada peça bem devagar, mas por completo: sem fragmentar nos sons de mãos, pedais e dinâmica. A cada acorde gravado, parava-se por um ou dois segundos.
A audição, de fato, dá conta de ensinar os sons. O tato consegue ensinar as texturas, os formatos de coisas pequenas. O olfato também fornece informações igualmente importantes para reconhecer ambientes. Baseada nessas possibilidades, a aprendizagem não apresenta entraves. "Para criança com visão normal, a gente vai do concreto para o abstrato. Para a cega, é a mesma coisa", coloca Hsu Yun Min, pedagoga da Laramara.
A principal técnica, apontam os especialistas, é partir do conhecimento das partes do corpo. Com isso, aparece a oportunidade de introduzir muitos conceitos como tamanhos, proporções, formas e cheiros. O conceito serve também para se conhecer os animais: "Às vezes, a família não leva a criança cega ao zoológico. Mas tem que levar: lá tem cheiros, sons de pássaros cantando, calor de bichinhos e movimentos que podem ser percebidos", ensina Hsu.
Como ensinar o que são estrelas, céu, ruas paralelas, geometria e outras coisas que só a visão parecem explicar? Nesse caso, as vivências não-visuais dos outros sentidos são insuficientes. Sônia Salomon, psicopedagoga e autora de Deficiência Visual - Um Novo Sentido de Vida (Editora LTR, 184 págs., R$ 30), lembra que é a linguagem o instrumento usado para fornecer esses conceitos. "Existem idéias abstratas mesmo para quem enxerga. A energia atômica, por exemplo, que só é explicada pela reflexão e pela linguagem, mesmo para videntes. A pessoa cega também vai transitar por aí."
Enxergar não nos torna capazes apenas de formar representações visuais na cabeça. Tampouco nos proporciona somente a independência e segurança para fazer atividades como caminhar ou comer. Enxergar permite o desenvolvimento motor. A criança começa a ajustar a postura por conta do que vê ao olhar para a mãe, ao procurar objetos, quando ouve um som e direciona a cabeça à procura da fonte do ruído. Isso encaminha o normal posicionamento de partes do corpo, especialmente da coluna e do pescoço.
"A criança que não tem visão tende a ficar muito rígida, como um bloco. E isso desestimula outros movimentos. É preciso ensiná-la a usar o corpo, mesmo que ela não veja", diz Márcia Silva, fisioterapeuta da Fundação Dorina Nowill.
Ao lado da fisioterapia, exercícios de orientação e mobilidade são fundamentais para a prevenção ou correção de eventuais defasagens ou desvios motores. Um dos trabalhos dessa área é ensinar técnicas que possibilitem o uso da bengala, mas, antes dela, muitas outras têm de ser aperfeiçoadas, especialmente aquelas que permitam ao deficiente visual aprender a captar informações do ambiente com o uso de outros sentidos.
Muitos portadores de deficiências visuais têm resistência quanto ao uso da bengala. O mesmo acontece com a escrita Braile - composta por seis pontos em relevo, que formam 63 combinações possíveis para letras, números, sinais matemáticos, pontuação, notas musicais etc. Para os cegos, essa leitura é feita por meio do tato, com o toque com a ponta dos dedos. Para os videntes, parece impossível detectar a diferença entre uma combinação e outra. Por isso, quem enxerga aprende o Braile olhando para as letras e não as tocando.
Quanto mais pessoas souberem o Braile, mais aceita essa criança irá sentir-se. Daí a importância do aprendizado dessa escrita pelos pais.
Na sala de aula, os cuidados despendidos com crianças portadoras de baixa visão são bastante específicos. Elas não podem ter a mesma abordagem pedagógica das videntes, tampouco a das cegas. Esquecer que elas enxergam pouco é o mesmo que ignorá-las como alunos, uma vez que algumas preocupações são necessárias para que elas consigam realizar atividades simples como ler a lousa ou escrever dentro das linhas do caderno. Da mesma forma, também é um erro desprezar essa capacidade visual, mesmo que ela seja apenas um resíduo.
"É preciso tirar da baixa visão o maior proveito que o resíduo visual pode dar", diz a fisioterapeuta Márcia Silva. Para isso, algumas dicas são fundamentais. É importante que haja uma preocupação com a intensidade de luz que incide sobre a criança com baixa visão - há os fotofóbicos, como os albinos e, por outro lado, os que precisam de mais luz para captar o campo visual. Essa criança também não pode sentar-se longe da lousa, mesmo que seja mais alta do que a maioria dos colegas.
Aceitação - Alguns pais recebem a notícia da deficiência do filho de maneira aparentemente tranqüila. Mas os especialistas explicam que essa resposta automática pode ser artificial e nem é tão saudável assim. "Sem dúvida, os pais têm que passar por um processo de luto da criança perfeita que não veio", endossa Tatiana Maria Sanchez, psicóloga da Fundação Dorina Nowill.
Se em casa a maioria dos pais fica impactado com o surgimento de um membro da família com deficiência visual, o mesmo acontece com os professores, quando sabem que terão de ensinar alunos cegos. "Não suporto olhar para ele", "Não tenho formação para isso" e "Me sinto incompetente" são as queixas mais comuns.
Sonia Salomon contesta a aceitação imediata desses alunos como uma reação natural. A psicopedagoga diz que a sensação de despreparo e de incompetência que acomete os professores é legítima. "É importante ter alguém que dê continência, que dê ouvidos às reclamações e dúvidas desses professores. Porque, afinal, quem não sente o impacto? Se há essa aceitação instantânea, o tratamento fica superficial", pondera.
Na rede estadual de ensino de São Paulo foi implantado um sistema de sala de recursos. Nelas, fica um professor especializado em deficiência visual, apto para ensinar, com metodologia e técnicas especiais, conceitos que os alunos cegos ou de baixa visão não tenham compreendido em sua sala de aula.
Maria Christina Nassif, pedagoga da Fundação Dorina Nowill, foi professora de sala de recursos. Ela diz que o principal problema é que o professorado, via de regra, não assume o aluno como sua responsabilidade. "É difícil você conseguir que o professor entenda que aquela criança pode ser atendida na classe comum. Eu sempre coloquei na cabeça do professor que o aluno é dele, não meu. Eu era só apoio."
O professor da sala de recursos também deve ser responsável pelo ensino do Braile e pela transcrição do material didático convencional para o Braile. O problema é que isso demora e, muitas vezes, os alunos deficientes visuais ficam alguns meses sem o material. "Seria importante que esse material viesse em disquete, porque aí a transcrição para Braile seria automática", diz Solange Mota, pedagoga da Laramara, que também tem experiência em sala de recursos.
"As faculdades estão formando profissionais obsoletos", condena José Armando Valente, do departamento de multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. O professor, que também é coordenador associado do Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp (Nied), explica que o surgimento do computador permitiu que o deficiente visual estabelecesse relação com o mundo e manifestasse com independência seus conhecimentos e dificuldades. "Até hoje, os cegos foram tratados como 'caixa-preta'. Ninguém sabia detectar o que eles sabiam ou pensavam. Com o computador, o sujeito pode exteriorizar o que pensa e o que sabe", explica Valente.
Hoje, o aluno cego pode usar o computador para fazer trabalhos escolares, navegar na internet ou mesmo ler textos. Há impressoras que permitem a impressão em Braile do trabalho digitado no teclado comum. Da mesma forma, o aluno pode imprimir em tinta para entregar os trabalhos escolares.
Além das impressoras, também é preciso adaptar o computador, instalando programas específicos que fazem a leitura de tela em voz alta e que dispensam o uso de mouse. Entre eles, estão o gratuito DOS-VOX, brasileiro, e o JAWS, que custa por volta de US$ 600.
O que os olhos não vêem - "Ver não é um fenômeno do olho, não é uma questão física, é uma interpretação. Você é quem decide o que você está vendo", define o cineasta e fotógrafo Walter Carvalho, co-diretor de Janela da Alma, documentário brasileiro sobre o olhar.
"Tem muita gente que enxerga bem, mas não vê. Tem muito cego com os olhos sãos", acredita Carvalho. Ele exemplifica: "O [George W.] Bush, por exemplo, não enxerga mais. Ele nem usa óculos, de tão boa que é a mecânica visual dele. Mas para a interpretação da vida, ele é completamente cego", opina o paraibano, que não "enxerga" tão bem quanto o presidente norte-americano em razão de 7,5 graus de miopia. Walter Carvalho tem pavor de ficar sem óculos.
Há quem não tema por tão pouco. Ainda jovem, a professora Ethel Rosenfeld perdeu a visão devido a um tumor cerebral líquido, extraído por meio de uma pulsão. Dias depois, Ethel teve um derrame, ficou cega, perdeu os movimentos do pescoço para baixo e as sensibilidades tátil e térmica. Aos 15 anos, depois de muito acompanhamento especializado, ela recobrou os movimentos totalmente. Mas as imagens nunca mais voltaram.
"Fiquei com grande parte do meu nervo óptico afetada, 100% cega. Mas foi voltando minha percepção de vultos e de alguns contrastes. Mantive essa visão até uns oito, dez anos atrás. De repente, apagou geral", recorda.
Mesmo depois de tantos anos sem enxergar, Ethel sentiu o impacto de perder o resíduo visual. Foi essa mudança na vida da professora e consultora de deficiência visual que a fez largar a bengala e procurar a companhia de um cão-guia no Guide-Dog Foundation for the Blind, nos Estados Unidos. Foram 25 dias de treinamento e adaptação ao Gem, um cão-guia profissional da raça Labrador que ela considera como filho.
Ethel foi pioneira nessa experiência de ter um cão-guia no Rio de Janeiro, o que causou muita polêmica nas tentativas de entrar em espaços públicos, acompanhada de Gem.
Ethel mora sozinha num apartamento no Flamengo. Leva uma vida normal. Sabe tricotar, namora, cuida do seu cão e também trabalha intensamente como consultora e coordenadora do Programa de Capacitações da Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula (vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro), em que orienta cursos de sensibilização a motoristas e cobradores de ônibus para que atendam melhor à população de portadores de deficiência. Ver novamente? "Só por curiosidade. Ia ser estranho, mas até que eu pagaria para ver."

Texto de Carolina Cassiano
Fonte: Revista educação - Aprendiz
"Ser professor é encarar uma situação nova a cada da e transformá-la em uma realização bem-sucedida."