"ERA UMA VEZ... UM SONHO...

"ERA UMA VEZ... UM SONHO...

... o sonho de manter acessa a chama vibrante, intensa e colorida da infância. Um tempo marcado pelo encantamento da atmosférica onírica que rege a primeira e mais importante fase de nossas vidas. Uma época singular, rica, pessoal e intransferível..." Pedagogia do Amor (Gabriel Chalita)

Ser professor é...

Ser professor é... Ser professor é professar a fé e a certeza de que tudo terá valido a pena se o aluno sentir-se feliz pelo que aprendeu com você e pelo que ele lhe ensinou... Ser professor é consumir horas e horas pensando em cada detalhe daquela aula que, mesmo ocorrendo todos os dias, a cada dia é única e original... Ser professor é entrar cansado numa sala de aula e, diante da reação da turma, transformar o cansaço numa aventura maravilhosa de ensinar e aprender... Ser professor é importar-se com o outro numa dimensão de quem cultiva uma planta muito rara que necessita de atenção, amor e cuidado. Ser professor é ter a capacidade de "sair de cena, sem sair do espetáculo". Ser professor é apontar caminhos, mas deixar que o aluno caminhe com seus próprios pés...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Com os olhos da alma
Depoimentos de alunos portadores de deficiências visuais mostram como é possível aprender sem enxergar.  
Depois de perguntar ao menino por que ele apertava tanto os olhos, o doutor José Lourenço tirou os óculos e os dependurou no nariz de Miguilim. O morador do Mutum não podia acreditar. "Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... Coração de Miguilim batia descompasso."
Jovenzinhos de "vista curta", como registrou Guimarães Rosa em Campo Geral, existem aos milhares em todo o mundo. A cegueira infantil está presente em países em desenvolvimento na proporção de 1,5/1.000, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) - o que no Brasil corresponde a cerca de 255 mil crianças cegas.
No entanto, ainda de acordo com a OMS, de 70% a 80% das crianças que são diagnosticadas como cegas possuem alguma visão residual. São os casos chamados de baixa visão ou visão subnormal. Incluem-se nesse conceito quem é capaz de utilizar a visão para executar determinadas tarefas, mas que possui um comprometimento da visão, com baixas acuidade visual e percepção de luz.
O processo de amadurecimento do órgão se estende até por volta de 9 anos de idade. "Se a criança só recebeu a imagem de qualidade depois dessa fase, provavelmente não terá 100% da visão", explica Rogério Neurauter, chefe do serviço de oftalmologia do Instituto Benjamim Constant, a mais antiga instituição brasileira (completa 149 anos em 2003) especializada em deficiência visual, sediada no Rio de Janeiro.
A baixa visão e a cegueira, congênita ou adquirida, não são impeditivas para o desenvolvimento cognitivo de uma criança. "A plasticidade do cérebro permite, em certas ocasiões, que uma função que você não tem seja compensada com a hipertrofia de uma outra", explica Abram Topczewski, neurologista da infância e adolescência do Hospital Israelita Albert Einstein.
Para que ocorra a aprendizagem, os pais e professores precisam estimular o desenvolvimento de outros sentidos. É mítica a idéia de que esse desenvolvimento seja automático. Não é porque uma criança possui deficiência visual que terá um ouvido mais apurado ou o tato excelente. "Conheço crianças cegas que não foram educadas adequadamente e que têm as mãos duras: não querem mexer, não querem pegar. Aí, de fato, elas não aprendem", lamenta Mara Olímpia Siaulys, fundadora da ONG Laramara, de São Paulo - entidade especializada em deficiência visual que presta atendimento gratuito a famílias carentes cujas crianças tenham cegueira ou baixa visão.
Com os outros sentidos despertos, a criança está apta para aprender como qualquer "vidente", como os especialistas referem-se aos que enxergam. "É tudo uma questão de técnica de ensino", defende Virgínia Hogan, pianista brasileira radicada nos Estados Unidos há 11 anos. A concertista, renomada internacionalmente, ficou conhecida por ter desenvolvido, nove anos atrás, um método de aprendizagem de piano clássico para cegos.
"Percebi que existem muitos pianistas populares cegos, mas clássicos são poucos. Porque os populares arranjam tudo, não tocam exatamente o que está na partitura. Mas o clássico tem de memorizar e decorar tudo o que está na partitura", explica.
Para criar seu método, Virgínia gravou 600 trabalhos clássicos para piano (o programa básico para pianista erudito) e contratou um webmaster para ajudá-la no uso do computador. A técnica consistia em fazer a leitura de cada peça bem devagar, mas por completo: sem fragmentar nos sons de mãos, pedais e dinâmica. A cada acorde gravado, parava-se por um ou dois segundos.
A audição, de fato, dá conta de ensinar os sons. O tato consegue ensinar as texturas, os formatos de coisas pequenas. O olfato também fornece informações igualmente importantes para reconhecer ambientes. Baseada nessas possibilidades, a aprendizagem não apresenta entraves. "Para criança com visão normal, a gente vai do concreto para o abstrato. Para a cega, é a mesma coisa", coloca Hsu Yun Min, pedagoga da Laramara.
A principal técnica, apontam os especialistas, é partir do conhecimento das partes do corpo. Com isso, aparece a oportunidade de introduzir muitos conceitos como tamanhos, proporções, formas e cheiros. O conceito serve também para se conhecer os animais: "Às vezes, a família não leva a criança cega ao zoológico. Mas tem que levar: lá tem cheiros, sons de pássaros cantando, calor de bichinhos e movimentos que podem ser percebidos", ensina Hsu.
Como ensinar o que são estrelas, céu, ruas paralelas, geometria e outras coisas que só a visão parecem explicar? Nesse caso, as vivências não-visuais dos outros sentidos são insuficientes. Sônia Salomon, psicopedagoga e autora de Deficiência Visual - Um Novo Sentido de Vida (Editora LTR, 184 págs., R$ 30), lembra que é a linguagem o instrumento usado para fornecer esses conceitos. "Existem idéias abstratas mesmo para quem enxerga. A energia atômica, por exemplo, que só é explicada pela reflexão e pela linguagem, mesmo para videntes. A pessoa cega também vai transitar por aí."
Enxergar não nos torna capazes apenas de formar representações visuais na cabeça. Tampouco nos proporciona somente a independência e segurança para fazer atividades como caminhar ou comer. Enxergar permite o desenvolvimento motor. A criança começa a ajustar a postura por conta do que vê ao olhar para a mãe, ao procurar objetos, quando ouve um som e direciona a cabeça à procura da fonte do ruído. Isso encaminha o normal posicionamento de partes do corpo, especialmente da coluna e do pescoço.
"A criança que não tem visão tende a ficar muito rígida, como um bloco. E isso desestimula outros movimentos. É preciso ensiná-la a usar o corpo, mesmo que ela não veja", diz Márcia Silva, fisioterapeuta da Fundação Dorina Nowill.
Ao lado da fisioterapia, exercícios de orientação e mobilidade são fundamentais para a prevenção ou correção de eventuais defasagens ou desvios motores. Um dos trabalhos dessa área é ensinar técnicas que possibilitem o uso da bengala, mas, antes dela, muitas outras têm de ser aperfeiçoadas, especialmente aquelas que permitam ao deficiente visual aprender a captar informações do ambiente com o uso de outros sentidos.
Muitos portadores de deficiências visuais têm resistência quanto ao uso da bengala. O mesmo acontece com a escrita Braile - composta por seis pontos em relevo, que formam 63 combinações possíveis para letras, números, sinais matemáticos, pontuação, notas musicais etc. Para os cegos, essa leitura é feita por meio do tato, com o toque com a ponta dos dedos. Para os videntes, parece impossível detectar a diferença entre uma combinação e outra. Por isso, quem enxerga aprende o Braile olhando para as letras e não as tocando.
Quanto mais pessoas souberem o Braile, mais aceita essa criança irá sentir-se. Daí a importância do aprendizado dessa escrita pelos pais.
Na sala de aula, os cuidados despendidos com crianças portadoras de baixa visão são bastante específicos. Elas não podem ter a mesma abordagem pedagógica das videntes, tampouco a das cegas. Esquecer que elas enxergam pouco é o mesmo que ignorá-las como alunos, uma vez que algumas preocupações são necessárias para que elas consigam realizar atividades simples como ler a lousa ou escrever dentro das linhas do caderno. Da mesma forma, também é um erro desprezar essa capacidade visual, mesmo que ela seja apenas um resíduo.
"É preciso tirar da baixa visão o maior proveito que o resíduo visual pode dar", diz a fisioterapeuta Márcia Silva. Para isso, algumas dicas são fundamentais. É importante que haja uma preocupação com a intensidade de luz que incide sobre a criança com baixa visão - há os fotofóbicos, como os albinos e, por outro lado, os que precisam de mais luz para captar o campo visual. Essa criança também não pode sentar-se longe da lousa, mesmo que seja mais alta do que a maioria dos colegas.
Aceitação - Alguns pais recebem a notícia da deficiência do filho de maneira aparentemente tranqüila. Mas os especialistas explicam que essa resposta automática pode ser artificial e nem é tão saudável assim. "Sem dúvida, os pais têm que passar por um processo de luto da criança perfeita que não veio", endossa Tatiana Maria Sanchez, psicóloga da Fundação Dorina Nowill.
Se em casa a maioria dos pais fica impactado com o surgimento de um membro da família com deficiência visual, o mesmo acontece com os professores, quando sabem que terão de ensinar alunos cegos. "Não suporto olhar para ele", "Não tenho formação para isso" e "Me sinto incompetente" são as queixas mais comuns.
Sonia Salomon contesta a aceitação imediata desses alunos como uma reação natural. A psicopedagoga diz que a sensação de despreparo e de incompetência que acomete os professores é legítima. "É importante ter alguém que dê continência, que dê ouvidos às reclamações e dúvidas desses professores. Porque, afinal, quem não sente o impacto? Se há essa aceitação instantânea, o tratamento fica superficial", pondera.
Na rede estadual de ensino de São Paulo foi implantado um sistema de sala de recursos. Nelas, fica um professor especializado em deficiência visual, apto para ensinar, com metodologia e técnicas especiais, conceitos que os alunos cegos ou de baixa visão não tenham compreendido em sua sala de aula.
Maria Christina Nassif, pedagoga da Fundação Dorina Nowill, foi professora de sala de recursos. Ela diz que o principal problema é que o professorado, via de regra, não assume o aluno como sua responsabilidade. "É difícil você conseguir que o professor entenda que aquela criança pode ser atendida na classe comum. Eu sempre coloquei na cabeça do professor que o aluno é dele, não meu. Eu era só apoio."
O professor da sala de recursos também deve ser responsável pelo ensino do Braile e pela transcrição do material didático convencional para o Braile. O problema é que isso demora e, muitas vezes, os alunos deficientes visuais ficam alguns meses sem o material. "Seria importante que esse material viesse em disquete, porque aí a transcrição para Braile seria automática", diz Solange Mota, pedagoga da Laramara, que também tem experiência em sala de recursos.
"As faculdades estão formando profissionais obsoletos", condena José Armando Valente, do departamento de multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. O professor, que também é coordenador associado do Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp (Nied), explica que o surgimento do computador permitiu que o deficiente visual estabelecesse relação com o mundo e manifestasse com independência seus conhecimentos e dificuldades. "Até hoje, os cegos foram tratados como 'caixa-preta'. Ninguém sabia detectar o que eles sabiam ou pensavam. Com o computador, o sujeito pode exteriorizar o que pensa e o que sabe", explica Valente.
Hoje, o aluno cego pode usar o computador para fazer trabalhos escolares, navegar na internet ou mesmo ler textos. Há impressoras que permitem a impressão em Braile do trabalho digitado no teclado comum. Da mesma forma, o aluno pode imprimir em tinta para entregar os trabalhos escolares.
Além das impressoras, também é preciso adaptar o computador, instalando programas específicos que fazem a leitura de tela em voz alta e que dispensam o uso de mouse. Entre eles, estão o gratuito DOS-VOX, brasileiro, e o JAWS, que custa por volta de US$ 600.
O que os olhos não vêem - "Ver não é um fenômeno do olho, não é uma questão física, é uma interpretação. Você é quem decide o que você está vendo", define o cineasta e fotógrafo Walter Carvalho, co-diretor de Janela da Alma, documentário brasileiro sobre o olhar.
"Tem muita gente que enxerga bem, mas não vê. Tem muito cego com os olhos sãos", acredita Carvalho. Ele exemplifica: "O [George W.] Bush, por exemplo, não enxerga mais. Ele nem usa óculos, de tão boa que é a mecânica visual dele. Mas para a interpretação da vida, ele é completamente cego", opina o paraibano, que não "enxerga" tão bem quanto o presidente norte-americano em razão de 7,5 graus de miopia. Walter Carvalho tem pavor de ficar sem óculos.
Há quem não tema por tão pouco. Ainda jovem, a professora Ethel Rosenfeld perdeu a visão devido a um tumor cerebral líquido, extraído por meio de uma pulsão. Dias depois, Ethel teve um derrame, ficou cega, perdeu os movimentos do pescoço para baixo e as sensibilidades tátil e térmica. Aos 15 anos, depois de muito acompanhamento especializado, ela recobrou os movimentos totalmente. Mas as imagens nunca mais voltaram.
"Fiquei com grande parte do meu nervo óptico afetada, 100% cega. Mas foi voltando minha percepção de vultos e de alguns contrastes. Mantive essa visão até uns oito, dez anos atrás. De repente, apagou geral", recorda.
Mesmo depois de tantos anos sem enxergar, Ethel sentiu o impacto de perder o resíduo visual. Foi essa mudança na vida da professora e consultora de deficiência visual que a fez largar a bengala e procurar a companhia de um cão-guia no Guide-Dog Foundation for the Blind, nos Estados Unidos. Foram 25 dias de treinamento e adaptação ao Gem, um cão-guia profissional da raça Labrador que ela considera como filho.
Ethel foi pioneira nessa experiência de ter um cão-guia no Rio de Janeiro, o que causou muita polêmica nas tentativas de entrar em espaços públicos, acompanhada de Gem.
Ethel mora sozinha num apartamento no Flamengo. Leva uma vida normal. Sabe tricotar, namora, cuida do seu cão e também trabalha intensamente como consultora e coordenadora do Programa de Capacitações da Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula (vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro), em que orienta cursos de sensibilização a motoristas e cobradores de ônibus para que atendam melhor à população de portadores de deficiência. Ver novamente? "Só por curiosidade. Ia ser estranho, mas até que eu pagaria para ver."

Texto de Carolina Cassiano
Fonte: Revista educação - Aprendiz

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"Ser professor é encarar uma situação nova a cada da e transformá-la em uma realização bem-sucedida."